As cancoes da Terra distante
— Vamos dar uma olhada. Talvez seja um barco com problemas.
— Sabe o que aquilo me lembra? — disse Kaldor. Loren respondeu encolhendo os ombros silenciosamente.
— O sopro de uma baleia. Era assim que elas respiravam, os grandes cetáceos costumavam soprar uma coluna de vapor d’água. Parece muito com isso.
— Há duas coisas erradas na sua interessante teoria — respondeu Loren.
— Aquela coluna está agora com pelo menos um quilômetro de altura. Que baleia! — Concordo. E uma baleia respira por apenas alguns segundos, aquilo ali é contínuo. Qual a sua segunda objeção?
— De acordo com o mapa, ali não é mar aberto. Assim, adeus teoria do barco.
— Mas isso é ridículo, Thalassa é todo oceano. Oh, estou entendendo. A Grande Pradaria Ocidental. Sim, ali é a borda. Dá até para imaginar que existe terra lá embaixo. Chegando rapidamente ao encontro deles vinha o continente flutuante de vegetação marinha, o qual cobria muito da superfície dos oceanos de Thalassa, gerando virtualmente todo o oxigênio na atmosfera do planeta. Era uma folha quase contínua, de um verde virulento, que parecia suficientemente sólida para se caminhar em cima. Apenas a completa ausência de colinas ou qualquer outra elevação revelava sua verdadeira natureza. Porém, em uma região com um quilômetro de largura, a pradaria flutuante não era nem plana, nem contínua. Alguma coisa fervilhava abaixo da superfície, lançando para o alto grandes nuvens de vapor e, ocasionalmente, massas de algas emaranhadas.
— Eu devia ter me lembrado — disse Kaldor —, o „Filho de Krakan.” — É claro — respondeu Loren — Esta é a primeira vez que ele entra em atividade desde que nós chegamos. Então foi assim que as outras ilhas nasceram.
— Exato, o penacho vulcânico está se movendo continuamente para leste. Talvez dentro de mais alguns milhares de anos os lassanianos tenham um novo arquipélago. Eles circularam por mais alguns minutos e então retornaram na direção da Ilha do Leste. Para a maioria dos espectadores o vulcão submarino teria sido uma visão assustadora. Mas não para homens que tinham visto a destruição de um sistema solar.
23. O DIA DO GELO
O iate presidencial, aliás Barca de Transporte Interinsular n.°1, nunca parecera tão belo em qualquer estágio anterior de sua carreira de três séculos de duração. Não somente estava enfeitado com bandeirolas como tinha recebido uma nova camada de tinta branca. Infelizmente, ou a tinta ou a força de trabalho tinham esgotado antes que o trabalho estivesse inteiramente terminado, por isso o comandante fora muito cuidadoso ao ancorar, de modo que apenas o lado de estibordo fosse visível da terra. O presidente Farradine também se vestira para o cerimonial, num traje surpreendente (criado pela primeira-dama) que fazia com que ele
parecesse uma mistura de imperador romano com astronauta pioneiro. Ele não parecia nada à vontade naquela coisa, e o comandante Sirdar Bey sentia-se feliz por seu uniforme consistir apenas de short branco, camisa de gola aberta com divisas no ombro e um quepe adornado com galões dourados, que o fazia sentir-se em casa, embora não conseguisse lembrar quando fora a última vez que o vestira. A despeito da tendência do presidente de tropeçar em sua toga, a excursão oficial tinha corrido muito bem e o lindo modelo da usina congeladora, colocado a bordo, funcionara perfeitamente. Ele produzira um suprimento ilimitado de bolachas hexagonais, do tamanho exato para caberem dentro de um copo de bebida. Mas os visitantes não podiam ser culpados por não entenderem a adequação do nome „Floco de neve”. Afinal, poucos em Thalassa já tinham visto neve. E agora eles deixavam de lado o modelo para inspecionar a coisa real, que cobria vários hectares da linha costeira de Tarna. Fora necessário algum tempo para conduzir o presidente, sua comitiva e todos os convidados, desde o iate até a praia. Agora, à última luz do dia, eles se colocavam respeitosamente na beira de um bloco hexagonal de gelo, com vinte metros de largura e dois de espessura. Não apenas era a maior massa de água gelada que alguém já tinha visto, como provavelmente era a maior do planeta. Mesmo nos pólos, o gelo raramente se formava. Sem grandes continentes para bloquear a circulação, as correntes velozes das regiões equatoriais rapidamente derretiam qualquer banquisa iniciante.
— Mas por que esta forma? — perguntou o presidente. O comandante-deputado Malina suspirou, tinha certeza de já ter explicado isto várias vezes.
— Trata-se do velho problema de se cobrir uma superfície com telhas idênticas — ele disse pacientemente.
— Há apenas três escolhas — quadrados, triângulos ou hexágonos. No nosso caso o hexágono é muito mais eficiente e fácil de se lidar. Os blocos, que vão ser mais de duzentos, cada um pesando seiscentas toneladas, serão encaixados uns nos outros para construir o escudo. Será uma espécie de sanduíche de gelo, com três camadas de espessura. Quando nós acelerarmos, todos os blocos se fundirão para formar um único disco de tamanho imenso. Ou um cone rombudo, para ser mais preciso.
— Você me deu uma idéia — disse o presidente, mostrando-se mais animado do que estivera em toda a tarde.
— Nós nunca tivemos patinação no gelo aqui em Thalassa. Era um lindo esporte e havia um jogo chamado hóquei sobre o gelo, embora eu não tenha certeza se gostaria de reviver aquilo, levando em conta os vídeos que vi. Mas seria maravilhoso se vocês pudessem construir para nós um rinque de patinação a tempo para as Olimpíadas. Seria
possível? — Eu teria que pensar a respeito — respondeu Malina sem muita ênfase.
— É uma idéia interessante. Mas eu precisaria saber de quanto gelo vocês vão precisar.
— Eu ficarei encantado. E vai ser uma maneira excelente para usarmos toda esta fábrica de gelo quando o trabalho estiver terminado. Uma súbita explosão poupou a Malina a necessidade de responder. Os fogos de artifício tinham começado è nos próximos vinte minutos o céu acima da ilha riscou-se de incandescências multicores. Os lassanianos adoravam fogos de artifício e os usavam sempre que podiam. A exibição era misturada com imagens criadas com raios laser, que eram ainda mais espetaculares e consideravelmente mais seguras, mas não se faziam acompanhar pelo cheiro de pólvora que dava o toque mágico final. Quando todas as festividades tinham terminado e os convidados importantes voltado ao navio, o comandante Malina comentou, pensativo: — O presidente é cheio de surpresas, embora tenha uma mente dirigida apenas num sentido. Estou cansado de ouvir falar nessa Olimpíada, mas a idéia do rinque de patinação é excelente e pode criar muita simpatia para conosco.
— Eu ganhei minha aposta — disse o tenente Lorenson.
— E que aposta foi? — perguntou o comandante Bey. Malina deu uma risada.
— Eu nem acreditaria. Algumas vezes os lassanianos não demonstram qualquer curiosidade. Eles acham tudo natural, embora eu creia que deva ser motivo de orgulho terem tanta fé em nossa tecnologia. Talvez eles acreditem que temos antigravidade! — Foi idéia de Loren que eu omitisse isto da explicação e ele estava certo. O presidente Farradine nunca se incomodou em me perguntar o que teria sido a primeira pergunta que eu faria: — Como é que vocês vão levantar cento e cinqüenta mil toneladas de gelo até a Magalhães?